“Mais que Chefe, Coach”. Este é o título de uma matéria publicada na Revista Exame, de dezembro de 2017, sobre resultados quanto à formação de funcionários para o uso de “técnicas de coaching”, na Avaliação de Desempenho. Segundo os entrevistados, o tradicional feedback de final de ano vem sendo substituído por diálogos para “orientar a carreira”, em encontros trimestrais, realizados por “chefes coaches” ou “coaches internos”, certificados em coaching, com ou sem “dedicação exclusiva”. Esta estratégia tem contribuído para otimizar o tempo dos gestores, acelerar o desenvolvimento de pessoas e carreiras, reduzir a rotatividade e aumentar o engajamento.
A gestão de desempenho, conforme pesquisa da Lee Hecht Harrison e Human Capital Institute (2012), é uma das áreas em que o coaching alcançou eficácia (85%), assim como: desenvolvimento de lideranças (92%); liderança de equipes (86%); habilidades de comunicação (85%); onboarding (81%); gestão de conflitos (81%) e gestão de mudanças (80%). O desenvolvimento da liderança (72%) e o desempenho gerencial (31%) foram as principais razões para um executivo buscar coaching. Já a Ridler Report: Trends in the Executive Coaching (2013), apontou a tendência de aumentar o coaching interno (79%), predominando grupos de alto potencial (72,3%) e executivos (53,1%).
Por um lado, os dados que evidenciam os benefícios e a crescente aderência do coaching reforçam a potência dessa metodologia como uma intervenção estratégica para o desenvolvimento humano e organizacional. E que a base tradicional do coaching executivo, a liderança, continua na lista de prioridades no mundo dos negócios. O que não é sem razão, se considerar que um dos principais fatores de êxito das organizações está no modo de pensar, atuar e interagir de seus executivos (Goldsmith et al., 2003), bem como a capacidade de criar um ambiente que encare a mudança como uma oportunidade de desenvolvimento e elevação de resultados.
Por outro lado, a expansão do coaching interno requer atenção, apesar dos bons resultados. É preciso analisá-los com o foco na sustentabilidade. A começar pelos papéis: o que distingue o “chefe coach” do “coach interno”? Ambos têm vínculo com a empresa e estão sujeitos às mesmas condições. Porém, a prática é distinta. Uma coisa é adotar um estilo gestor, focado na performance e usar “técnicas do coaching”, em dadas situações, como na avaliação de desempenho. Outra, é a complexidade que envolve o trabalho de um “coach interno”, na condução de processos de coaching. Qualquer pessoa pode ter uma postura coach. Entretanto, um coach profissional requer perfil, experiência, competências, formação consistente, supervisão e desenvolvimento contínuo.
Algumas organizações buscam os benefícios do coaching interno, pensando em baixo custo, sem avaliar os riscos no longo prazo. Todavia, se não houver um planejamento, gestão eficaz dos processos e das mudanças conquistadas, o coaching pode terminar como outros programas de mudanças que marcaram a história das organizações, como a Gestão da Qualidade Total e a Reengenharia. Segundo Beer (2010), 70% das iniciativas de mudanças fracassam. Algumas avançam até certo ponto, mas a maioria não permanece ao longo do tempo, ou seja, não atinge sustentabilidade (Senge et al. 2000).
A questão da sustentabilidade vem ao encontro de outras relacionadas à competitividade, motivação e os elevados custos para manter um executivo de baixo desempenho (Lages e O’Connor, 2013). Isso, em função da responsabilidade com as decisões e por serem “os principais focos de irradiação de comportamentos, valores, práticas, princípios, crenças, modus operandi etc.” (Krausz, 2007). Logo, não cabe utilizar o coaching como algo paliativo, na linha do “todo mundo pode ser coach” ou “todo mundo precisa de um coach”, ignorando as particularidades de cada ser humano e organização. E sim, como uma intervenção customizada que atua na prevenção e resolução de problemas, no estímulo à aprendizagem contínua para adequar as estratégias e comportamentos, aproveitar melhor as oportunidades e reinventar-se (Krausz, 2007).
O coaching interno tem suas vantagens, mas os conflitos de papéis ou interesses, jogos de poder, políticas internas e riscos quanto à confidencialidade (Krausz, 2007) podem comprometer a confiança e gerar aversão. O que seria uma grande perda, pois tem sido considerado uma “alavanca” para elevar resultados e níveis de satisfação. Neste sentido, para uma utilização adequada e capaz de gerar ganhos para todos, com base em estudos sobre experiências, no âmbito nacional e internacional, e vivência prática, recomendo alguns pontos como prevenção:
1. analisar se o coaching é compatível com a cultura da empresa;
2. evitar que seja utilizado como “punição” ou “remédio”;
3. verificar se é caso para um processo de coaching;
4. definir papéis, responsabilidades e limites de todos os envolvidos;
5. evitar que coach e coachee tenham uma relação de subordinação;
6. definir os critérios para avaliação do desempenho;
7. não pressionar o coach com base em resultados pré-definidos;
8. zelar pela confidencialidade e afinidades necessárias na relação coach-coachee;
9. utilizar coaches externos, pois podem contribuir muito para o desenvolvimento do coach e elevar a qualidade da sua prática.
Quanto ao investimento em formação, é preciso definir se o objetivo é preparar “gestor coach” ou “coach interno. Um gerente pode desempenhar um papel de coach desde que haja empatia, integridade, confiança, neutralidade e ausência de conflitos de interesse” (Whitmore, 2006). E um estilo mais orientador e participativo, capaz de estimular o diálogo e o foco nos resultados (Krausz, 2007). Para um “gestor coach” há diversos treinamentos gerenciais que oportunizam o acesso a “técnicas de coaching”.
Contudo, se o objetivo é oportunizar reflexão, aprendizagem, desenvolvimento, alternativas viáveis, novos comportamentos e mudanças sustentáveis, com retorno dos investimentos, então, preparar um cenário favorável à sustentabilidade do processo de coaching e das mudanças do gestor é crucial. Por onde começar? Pelo perfil, formação e supervisão. Perfil: é importante ter em mente que nem todo profissional se identifica com esta atividade. Formação: que modalidade de coaching é compatível com as expectativas de resultados da organização (pessoal, de vida, executivo e empresarial...); que entidades formadoras, reconhecidas, têm respaldo ético e científico; metodologia utilizada; critérios de seleção; participantes por turma; duração e intervalo entre os módulos; histórico dos docentes e supervisão.
A supervisão é essencial durante e após a formação por que mudanças podem gerar insegurança quanto à reação dos colegas, à própria capacidade, à reputação na empresa e resistências. Segundo Goldsmith e Reiter (2017), resistimos a mudanças em qualquer situação, seja quando apenas há benefícios, sem riscos, seja quando podem significar a perda da própria carreira, relacionamentos e vida. Além disso, a mudança de percepção e atitudes não garante novos hábitos. A atitude é a intenção de atuar de certo modo. Uma tendência à reação, não significa que se efetivará. Por exemplo, se você é um coach profissional, como foi tornar um hábito a não-diretividade, a escuta ativa, o autocontrole, o não julgamento, a confrontação assertiva? E mantê-los em situações de pressão?
A partir desta breve contextualização, é possível imaginar o nível de complexidade para conciliar dois papéis com significativa ambiguidade: gerente-subordinado e coach-coachee. Por outra parte, nos convida a refletir sobre a importância de definir claramente os critérios para escolher a modalidade de coaching, o perfil dos profissionais e o tipo de formação para, em seguida, apoiá-los, de forma que se apropriem do conhecimento e o transformem em ação, desenvolvimento, melhores resultados e mudanças duradouras.
Referências
Beer, M. Gerenciando mudança e transição. Seu mentor e guia para administração. Serie: Harvard Business Essentials. Rio de Janeiro: Record, 4ª ed. 2010
Goldsmith, M. et al. Coaching: o exercício da liderança. Rio de Janeiro: Campus/DBM, Elsevier, 10ed. 2003
Golsdmith, M; Reiter, M. O efeito gatilho. Como disparar as mudanças de comportamento que levam ao sucesso nos negócios e na vida. São Paulo. Cia Ed. Nacional. 2017
Krausz, R. Coaching executivo: A conquista da liderança. São Paulo: Nobel. 2007
Lages, A.; O’Connor, J. Como o coaching funciona: o guia essencial para a história e prática do coaching eficaz. Rio de Janeiro. Qualitimark. 2010
Senge, P. et al. A dança das mudanças. Rio de Janeiro: Elsevier/Campus, 9ª ed. 2000
Whitmore, J. Coaching para performance. Ed. Rio de Janeiro: Qualitymark. 2006
Artigo publicado em 01/02/2018