Escrever um artigo de abertura, para a edição de uma revista, que se propõe a discutir a associação do psicodrama ao exercício do coaching através do relato de experiência de profissionais de gabarito, que se dispõem a compartilhar seus saberes com colegas que desejam ampliar seus conhecimentos e recursos técnicos, mostrou-se uma tarefa de grande responsabilidade. Como transmitir um conhecimento filosófico, teórico e prático, que tem pautado toda minha vida profissional, apenas através da escrita racional e em poucos parágrafos? Como passar o que tenho vivido de seu poder transformador? Um grande desafio. Começarei por apresentar seu criador e sua trajetória, acreditando ser um caminho para a compreensão de seu pensamento.
Jacob Levy Moreno, nascido na Romênia em 1889, era de família judaica, tendo se mudado aos 5 anos de idade para Viena, onde se formou em Medicina, estudou Filosofia e Teatro e morou até 1925, quando se radicou nos Estados Unidos e viveu até sua morte, em 1974. A história da obra de Moreno tem sido definida por quatro momentos criativos: 1) de origem religiosa e filosófica; 2) de experiências teatrais e terapêuticas; 3) de ordem sociológica – grupal e, finalmente, 4) de organização e consolidação dos métodos e técnicas criados.
No primeiro momento, inspirado pelo hassidismo (ramo do judaísmo) e existencialismo, vivenciou o que seriam as sementes de seu embasamento teórico filosófico, a ser posteriormente desenvolvido no plano científico. Já estavam presentes as ideias do homem como ser relacional, criativo, responsável por seu destino. No segundo momento, em seu envolvimento com experiências teatrais, ensaiou e colocou à prova a revolução dramática como instrumento de mudança pessoal e social. No terceiro, viveu intensamente o conflito entre seu posicionamento fenomenológico existencial e as exigências americanas de um cientificismo lógico no estudo das relações humanas, que o levou à sociometria (brilhante e inédito estudo de relações interpessoais que inclui avaliação quantitativa e qualitativa das mesmas, visando a seleção de indivíduos para compor equipes de qualquer natureza, ou o tratamento de relações deterioradas que possam estar influenciando prejudicialmente a produtividade e bem estar dos componentes de um grupo). Nesta fase, partiu de seus pressupostos anteriores do homem como ser relacional, criativo e espontâneo, que vive pelo e para o encontro interpessoal. Colocou à prova hipóteses e formulou conceitos anteriormente intuídos através da filosofia e religião, a exemplo de “espontaneidade” e “tele”, que se tornariam duas de suas ideias fundantes. Finalmente, em seu quarto momento, articulou seus conceitos teóricos e organizou seus recursos técnicos como método: O psicodrama é, na verdade, uma criação posterior, um procedimento que foi efetivamente desenvolvido no teatro de psicodrama de Beacon, em Nova Iorque, já em sua maturidade.
O resultado destes quatro momentos de trabalho e estudos levou à criação de um sistema moreniano geral, que é a socionomia. No entanto, este passou a ter a denominação generalizada de psicodrama, designação que deveria referir-se apenas a um dos seus processos, o que, a meu ver, tem trazido limitações à sua compreensão, na medida em que, por definição, leva a se pensar em um método de ação, aspecto sem dúvida revolucionário, em reação aos procedimentos individualistas e racionalistas predominantes na época, mas que tem levado, e ocasionalmente ainda pode levar, a uma priorização da técnica em detrimento de todo um posicionamento filosófico e teórico que privilegia o estudo do homem em relação, como um ser biológico, social e cósmico.