"Somos assim: sonhamos o vôo mas tememos a altura. Para voar é preciso ter coragem para enfrentar o terror do vazio. Porque é só no vazio que o vôo acontece. O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas. Mas é isso que tememos: o não ter certezas. Por isso trocamos o vôo por gaiolas. As gaiolas são o lugar onde as certezas moram."
Os irmãos Karamazov
Fiódor Dostóievski
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Com esta citação, inicio a escrita este artigo, que visa olhar para o futuro do Rio Grande do Sul em um momento de vazio, dor e trauma coletivo. Fui convidada a escrever este artigo em meio ao caos que vivemos desde as inundações no Rio Grande do Sul no final de abril de 2024, que levaram à morte de pelo menos 165 pessoas e deixaram 581 mil desabrigadas. Hoje, 28 de abril, estima-se que 55 mil pessoas permaneçam em abrigos improvisados em todo o estado.
Como professora de liderança e desenvolvimento de equipes, procuro trabalhar com meus alunos a escuta, reflexão, construção coletiva, conexão pelo bem comum e conscientização. Ao entrar em sala hoje, preciso abordar o que nosso estado está vivendo. Desde o final de abril, estamos assistindo às águas levando pessoas, animais, propriedades e sonhos de vida, tudo sendo devastado pela natureza que há muito tempo devastamos em nome do progresso. Migramos do campo e construímos cidades, muitas às margens de lindos rios que trazem irrigação necessária para a sobrevivência, e hoje esses rios estão furiosos, causando destruição.
Não posso ir à sala de aula sem convocar as pessoas a pensar no tipo de progresso que temos liderado, sem olhar para o verdadeiro custo. A visão míope de curto prazo, buscando resultados imediatos sem respeitar o tempo da natureza, tem nos custado caro. Observamos o adoecimento mental das pessoas, que muito se assemelha aos eventos climáticos que enfrentamos, sendo silencioso e muitas vezes desdenhado. Já tive uma colega de trabalho, taxada de "mimizenta", que se suicidou. Jamais ridicularizarei o sentimento de alguém em honra à vida da Cibele, que se foi por não suportar um mundo que não compreendia sua dor.