Quem é que não tem uma ferida no coração?
Todos os corações da Terra, em maior ou em menor grau, possuem, cada qual, suas dilacerações. Todos sangram, pois é natural da vida ferir-se, e ainda assim, seguir caminhando. No entanto, existe um acontecimento mágico, que ocorre uma vez por ano, em uma data especial - um rito de passagem que perpassa o coração de cada ser humano, e o transforma por inteiro em um único instante.
Todos os anos, conforme se aproxima do período do ano novo, as influências telúricas fazem com que as pessoas passem por um processo de cura, consciente ou inconscientemente. Tudo começa com o passado, tal qual começaria uma linha do tempo. Quanto mais perto do final do ano, mais nossa alma busca reviver o passado - na própria tentativa tentar entender a si mesma. Feridas antigas, rancores e nostálgicos amores são, geralmente, os primeiros lapsos de memória que vêm à tona nesse processo. E, além disso, esses sentimentos passam a permear os nossos pensamentos mais corriqueiros, dando início à uma entropia tão alucinante quanto uma viagem no tempo – que acontece dentro da nossa mente, dentro da nossa própria pele.
A pele que habitamos é capaz de suportar muita coisa, já nossa mente se vê fadada à confusão com os primeiros sinais de desordem interior. E quem é que tem mesmo coragem para falar de amor? E de morte? E de ansiedade? E de perdas, dores, traições, depressão, loucura, mitos de normalidade, anestesiamento? Todas essas questões nos perpassam, ainda que de modo breve, quando é chegado o momento de mergulhar no passado em nosso processo de cura. E o primeiro passo da nossa viagem temporal, quando entramos de vez nas lembranças do passado, pode tanto acontecer subitamente, quanto ser desencadeado por algo ou por alguém. Ademais, esse processo de cura pode até mesmo passar despercebido em meio às nossas rotinas estressantes antes das férias, talvez por sermos demasiadamente desatentos para com própria morada - nossos corpos, mentes e espíritos.