Memórias I
Pedi ao meu avô que me levasse ao mar da nossa praia. Queria que o mar ouvisse a minha saudade.
Vejo-me de costas, os cabelos e a saia dançam ao ritmo da brisa. Vejo que, no meu rosto doce e redondo, os olhos estão marejados… tenho muitas saudades do meu pai, o marinheiro.
Ele está muito longe, algures dentro de um enorme barco que não alcanço. Tenho medo de que nunca mais volte.
Pai, os sapatos azuis que me ofereceu, antes de partir, já não me servem! Volte!
Estou mais crescida e dizem que sou parecida com ele.
E é em silêncio que sinto o mar, é em silêncio que peço às ondas que levem beijos ao meu pai, é em silêncio que regresso para casa dos meus avós.
A minha sede de saber era grande, e a minha vontade de ver os meus pais era ainda maior. Na parede do quarto tinha um mapa-múndi, onde estavam desenhadas as bandeiras de todos os Países.
Com o dedo caminhava do Brasil para um qualquer porto nos Estados Unidos. Á descoberta dos marinheiros, à descoberta do meu pai.
Ao lado deste mapa-múndi, tinha o mapa de Portugal. A minha mãe estava em Lisboa com a minha irmã de dois anos. E eu vivia no Algarve com a minha avó!
Pai, os sapatos azuis que me ofereceu, antes de partir, já não me servem! Volte!
E numa noite de festa da aldeia, vi uma menina trapezista, vestida de cor-de-rosa, a caminhar, com uma enorme graciosidade, sobre uma corda que ia do sino da Igreja até ao outro lado da rua.
Parecia um anjo-do-mar. Até hoje essa imagem belíssima continua a acompanhar-me. Eu queria ser trapezista! Sinto que estava muito só.
Ao longo da vida, fui percebendo que fui capaz de ser trapezista porque era urgente sobreviver.
Memória II