Querido Tio Mário
Choro porque o amo muito. Porque os homens bons nunca deviam partir. Porque preciso de si.
Tinha dois anos quando fui viver com os avós e com o Tio.
Era a sua menina. Sei, do que me contam, que era carente e só sossegava quando me envolvia nos vossos abraços. Sei que o Tio fazia “macaquices” e eu ria com aquela gargalhada que encanta, aquela que é música.
O Tio não foi sempre adulto. Foi uma criança encantadora, divertida, “cheia de vida”, como dizia a avó.
E quando tinha quatro anos teve uma poliomielite que lhe afetou a mobilidade de todo o lado direito do seu corpo.
E foi crescendo com muitas idas a médicos que prometiam esperanças, ... e veio a aceitação da sua condição. Era feliz. Jogava com uma bola feita de trapos, corria com o corpo que tinha e nunca desistiu.
Os avós criaram o bom hábito de fazerem caminhadas pela praia. Começavam em Monte Gordo e quando chegavam à Praia Verde voltavam para casa.
O Tio é um guerreiro bom, o Tio é um homem bom!
Em casa tinha um lugar preferido, o terraço. Sentado, os olhos e o coração contemplavam o horizonte. A praia ficava aos seus pés. Era o seu mundo, um mundo belo.
Estou a ser invadida por milhentas memórias do nosso tempo de cumplicidade e estou com um sorriso. Sabe o que me lembrei? Eu não sabia o que era Carnaval e fui brincar para umas escadas em frente da casa dos avós. E vejo uma mulher que me gritava muito, com um sinal grande no nariz, e uma vassoura. Foi medonho, comecei a chorar e corri para o vosso abraço. Quando cheguei a casa, quase sem fôlego, vejo um fantasma e fiquei sem falar. Em estado de pânico. O fantasma era o Tio com um lençol branco por cima. No dia seguinte sei que ria, um riso entre o ansioso e o malandro. Queria também assustar as pessoas que diziam “Aí, que medo” e eu ficava contente.