Temos uma tendência (nada saudável) de normalizar as situações que ocorrem com frequência.
Há algum tempo o “será que vai chover?” foi substituído pelo “estou na correria”. A pressa foi normalizada e passou a ser assunto de elevador, daqueles que não surpreendem mais ninguém. Hoje em dia, a correria já é comumente substituída pelo “estou exausta(o)”. O cansaço também está sendo normalizado.
É compreensível, porque estamos realmente nos sentindo assim, correndo e esgotadas(os).
O estresse é, sim, normal. Nunca vai deixar de existir. A resposta do organismo ao estresse é necessária para a nossa sobrevivência. Mas os níveis de estresse, ansiedade e burnout aumentam a cada dia, como se isso fizesse parte daquele ‘novo normal’ que vamos viver após o fim da pandemia. O estresse crônico é cada vez mais comum.
Só que não é normal.
Eu também já normalizei o meu cansaço.
Há quase 15 anos, eu acreditava que a exaustão que eu sentia era normal. Afinal de contas, além de trabalhar o dia todo, eu fazia plantões noturnos e ainda era responsável por atender aos chamados do bip (direto do túnel do tempo...) e tentava cumprir os créditos do mestrado. Sentir cansaço era o mínimo esperado.
Eu também normalizei a falta de paciência, a dificuldade de me concentrar, a insônia, as dores de estômago, a enxaqueca e todos os outros sintomas que apareceram. Fingi acreditar que era tudo normal, fazia parte da carreira de médica que trabalhava com transplantes.
Até o dia em que deixou de ser normal. No dia em que eu não consegui levantar da cama para trabalhar. O dia do burnout.
Onde foi que eu errei?
Depois de passar pelo episódio agudo do burnout, durante o tratamento e ainda por muitos anos, a pergunta que eu não conseguia expulsar da cabeça era “o que eu fiz de errado pra isso acontecer?”.
Tá aí a armadilha da normalização. Afinal de contas, correria, cansaço, estresse, tudo isso é normal, faz parte da vida. Por que é que eu não consegui ser forte o suficiente para suportar?
Eu fazia tudo que acreditava que era certo: buscava sempre dar o meu melhor, levava o perfeccionismo à risca para manter a excelência e entregar aqueles 110% que garantem o sucesso. Ah, e o principal: eu fazia o que eu amava, e isso me motivava a me esforçar ainda mais.