Não expressar o que sinto seria uma escolha infeliz. Há quem compare o silêncio dos sentimentos com um nó na garganta. Na minha, ele é uma corda inteira que aperta o pescoço por fora e entala por dentro.
Tente imaginar-se engolindo um pedaço de corda com todos os seus fiapinhos ferinos, enquanto outra parte dela lhe engravata e sufoca.
Exagero? Não, não. Metáfora eloquente.
Sobretudo quando se trata de raiva, tristeza e medo, três emoções básicas do pacote "ser gente”.
Se como humanos vivemos em linguagem e somos mergulhados cem por cento em afetos, sentir essas coisas já é dor, e não expressá-las seria sofrer voluntariamente.
Ou seja torturar-me, animalizar-me ou até deixar de viver.
Torturo-me quando não digo da raiva que sinto. Isso não significa gritar com o outro para desentalar. Posso falar com outro alguém sobre minhas emoções, seja em sessão terapêutica ou de coaching, ou mesmo na mesa de um bar. Amigos são normalmente ótimos ouvintes. Creio que é o mínimo que espero de um. E quando não dá pra alugar ouvidos camaradas, nem sempre disponíveis, vamos aos ouvidos profissionais. A voz do outro, tecendo sua própria mirada sobre o que acontece comigo, ou me fazendo perguntas, me empresta novas percepções. E assim, talvez a raiva saia e seja vista, e com ela fora de mim, talvez eu possa manter mais facilmente alguma sanidade.
Elza Soares diz que "canta para não enlouquecer".
Eu falo, escrevo e desenho para me observar enquanto deixo a mudança acontecer.
Eu me animalizaria se não falasse da minha tristeza. Os bichos nascem prisioneiros dos instintos. Não podem mudar, nem escolhem fazer diferente. Infelizes? Não. Difícil seria encontrar um hipopótamo arrependido no final de sua vida por alguma decisão tomada. Já o humano... ah, o humano! Esse sofre pelo que fez e pelo que não fez, ou alegra-se por isso, se arrepende pelo que disse e pelo que não disse, ou se parabeniza justo por causa disso. Uma barata não se arrepende de falar sua tristeza após tê-la sentido. Já que tem sangue de barata, isso ajuda. Mas esse sangue inumano nós não temos. Falar da tristeza é risco, mas eu a comunico, em meus riscos e poemas.
Cecilia Meireles, sábia, diz "não sou alegre nem sou triste, sou poeta". Curioso... comigo funciona de outro jeito. Compor, escrever poemas, desenhar, falar, faz-me ser um oceano quando alegre. E um Saara quando triste. Sou alegre e triste, e sou repleto de tudo quanto é afeto.
Choro e expresso para não me sentir inseto.
Eu morreria se não mostrasse meus medos. Já disseram que coragem está longe de ser ausência de medo. Trata-se de enfrentá-lo, encará-lo.
O medo do julgamento muitas vezes nos faz desistir da virtude, do amor e da paz. Não vendo o medo do novo, desistiria de jogar-me na estrada pensando que escolhi ficar. Esquecendo meu medo de ser julgado, não escreveria achando que me faltou inspiração. Desconsiderando o medo de amar, ficaria sozinho pensando que apenas busco recolhimento. Não notando minhas sombras por medo de sua feiura, navegaria por águas rasas de mim mesmo. Mas não observando o medo da minha própria luz, contemplaria somente minha escuridão, o que seria disfarce de humilde autoconhecimento.
E sem me jogar ao novo, sem expressar e sem amar, sem sombra e sem luz, não seria quem sou. Sem mostrar o medo, a raiva ou a tristeza, não seria sequer gente. O medo de sentir, e de dizer-me sentindo, me entala e sufoca, e enfim, pode me matar.
Lennon era gênio e dizia ter "medo desse negócio de ser normal”, quando o mais normal para quem quer ser normal é ter medo de ser diferente. Cansa e dói enquadrar e enquadrar-se, adequar e adequar-se, fingir não sentir ou calar o que se sente.
É viver mentindo.
Portanto, sigo dizendo o que sinto para simplesmente continuar existindo.
Artigo publicado em 19/02/2018