Me parece que a comunicação conta com duas faces suplementares: comunicação como declaração de verdade e como construção de ação. Podemos arriscar dizer que a verdade prototípica seria a alusão a um plano platônico ideal. E, por outro lado, que a ação seria a construção de um mundo, do mundo que vivemos, de mundos ideais, de mundos imaginários.
O que é a comunicação?
Quando nos comunicamos, adultos, em geral pensamos estar “declarando uma verdade”. Mas, desde cedo, crianças, sabemos que estamos articulando intenções, para que os outros, o comum, possam nos ver, apreciar, perceber e integrar em suas próprias intenções. Destas intenções, é comum aquela que não quer se revelar por inteiro, pois sabe que pode ser rechaçada ou que, se revelada em sua inteireza, causaria graves perturbações, e se apresenta como “mentira”. Nessa situação talvez pueril, está exposta uma dimensão da comunicação como a vontade de realizar algo, de construir ação, independentemente da declaração de verdade. Entre os extremos da “verdade” e da “mentira”, há uma ampla gama de expressões de intencionalidade. Nos expressamos porque queremos que algo aconteça no mundo, que sejamos capazes de construir algo. À medida que o uso da linguagem se sofistica, se torna mais complexa, ascendemos a níveis mais elevados de abstração, em que a comunicação assume um nível que podemos chamar de “legislativo”: queremos definir o que é, e o que não é, verdadeiro. Na maioria das vezes, é aqui que se constrói as noções mais formais quanto ao que venha ser a comunicação. E, quão enganosa pode ser essa noção “legislativa” da comunicação. Como o dito popular: “você quer estar certo ou ser feliz?” O tom jocoso já indica: as infinitas contradições do mundo nos convidam a escolher entre legislar, em vão, sobre verdades que podemos crer absolutas ou construir vida concreta – ambas ações se dão por meio da comunicação.
Obviamente, o entendimento da comunicação estritamente formal é importante, mas mesmo ele pode ser tomado em ambas facetas: como declaração de verdade (descritiva) e como construção de ação (gerativa). Nosso foco de atenção é a fala informal, a conversação, as anotações rápidas, os lembretes, o estar presente em uma reunião de um grupo, os movimentos do corpo e as múltiplas sobreposições entre essas e tantas outras modalidades de comunicação e seus usos nas práticas sociais, na psicologia, na análise, nos grupos e suas atividades, nas conversas de coaching – em todos esses campos, a comunicação é um “estar presente”, um “pôr-em-jogo”, que não pode ser resumido pela linguagem e/ou pelas análises formais.