“Se podes olhar, vê.
Se podes ver, repara.”
José Saramago
A ilustre citação do escritor português é oportuna pois distingue diferentes modalidades de um mesmo domínio de percepção – a visão – convocando para um mais-além da compreensão biológica e cognitiva. Nosso convite é estender esta compreensão ao domínio da escuta, com o propósito de expandir a reflexão sobre seu papel em um processo de coaching.
Para isso, explicitaremos as bases filosóficas e conceituais, que fundamentam a escuta no Coaching Ontológico a fim de refletir como é possível torná-la um instrumento a serviço de um processo de mudança daquele que procura um coach. A inquietação que nos mobiliza são as implicações éticas e ideológicas, que muitas vezes vêm embutidas nas promessas mercadológicas que o próprio coaching oferece.
O estudo da Ontologia da Linguagem – base teórica que sustenta o Coaching Ontológico – tem como fundamento a interpretação do ser humano como um ser linguístico, que modifica o mundo à sua volta através das conversações. Deste modo, a linguagem tem um efeito de ação, na medida em que interfere no curso dos acontecimentos. Sob esta perspectiva, a função da linguagem não se limita apenas a descrever passivamente a realidade: ela também possui um papel ativo e criativo.
Isso direciona a escuta no Coaching Ontológico para a maneira como o indivíduo utiliza a linguagem – através de suas conversações, afirmações, declarações, julgamentos, pedidos, reivindicações, etc. – para criar condições que ele interfira de maneira mais efetiva no curso dos acontecimentos.
Além disso, a Ontologia da Linguagem reconhece o campo da linguagem como o elemento privilegiado da constituição do ser humano, que oferece sentido e significação à dimensão afetiva e corporal. Dado que estamos imersos na linguagem, não é possível descrever a essência das coisas senão através do uso da própria linguagem. Portanto, diante da impossibilidade de ascender à uma verdade metafísica, de como as coisas “realmente são” nos resta compreender a forma como as observamos e interpretamos.