Nada perturba mais minha felicidade do que a obrigação de ser feliz, porque é feio e fraco não sê-lo. Feliz de quem é bonito e forte.
Gutto Carrer Lima
Se um marciano chegasse à Terra hoje e fosse apresentado às redes sociais, algumas revistas e programas de celebridades, com certeza pensaria que este é um planeta com pessoas muito felizes e realizadas. Esta ideia me veio à mente diversas vezes nos últimos meses quando passei a observar indícios de que há uma certa “cobrança” social por “parecermos” felizes e bem-sucedidos o tempo todo. Interessante notar que trata-se de uma felicidade aparente e não necessariamente genuína. Temos que demonstrar que estamos bem e felizes a todo momento, ainda que não estejamos, sob pena de sermos criticados. Afinal, quem quer estar com pessoas deprimidas ou tristes? Parece-me que perdemos o direito a isso.
A busca da felicidade é talvez o maior clichê cultural que nos cerca, basta olhar a maioria das imagens das redes sociais, os livros de auto-ajuda, temas de palestras e cursos; todos afirmando que temos “obrigação” de ser felizes e se não o somos, é por nossa própria responsabilidade.
A felicidade, muitas vezes, aparece associada a bens materiais. Se olharmos os comerciais, veremos que se você tiver, ou fizer, isso ou aquilo, será feliz e fará sucesso...
Já abordei este tema em uma edição anterior e agora o retomo para propor uma reflexão sobre a exigência atual de parecermos felizes. Falar sobre tal tema é tarefa desafiadora, polêmica e inevitavelmente imprecisa, porque a felicidade deve ser vivida e, portanto, difícil de descrever ou demonstrar.
Estava eu em um sítio, contemplando o vai e vem dos quero-queros alimentando seus filhotes, numa imensidão verde e azul, embevecida com aquele momento ímpar de felicidade e paz. Havia uma festa na piscina, com música alta, bebida e muitas risadas. Um amigo veio me perguntar por quê eu não estava me divertindo?! Por quê estava triste ali sentada sozinha?! Expliquei que estava contemplando a natureza e que isto me fazia feliz, já que moro na capital paulista e tenho menos oportunidade de apreciar a natureza, o silêncio, a calma harmonia das coisas naturais. Ele me lançou um olhar estranho, afastou-se e disse aos demais que eu devia estar com depressão...
Este episódio me fez refletir sobre como é difícil demonstrar aos outros sua felicidade, exceto se a demonstração seguir o rito padrão... Fazer um selfie sorrindo com a cerveja na mão. Perdoem-me o clichê.
Hoje não basta se sentir feliz; é preciso que os outros ratifiquem sua felicidade por sinais exteriores convencionais e típicos (como se isso fosse possível). Se quisermos saber se alguém está feliz é preciso identificar algumas características que identifiquem a felicidade na pessoa; como meu amigo não identificou sinais típicos de felicidade em mim, diagnosticou-me, de imediato, com depressão.