Na edição passada, versamos um pouco sobre a Filosofia de Spinoza, filósofo holandês que acredita que a razão pode nos auxiliar a entender nossas paixões, ainda que nunca lhe seja concedida a primazia de controlá-las. Spinoza também acredita que algumas paixões/emoções/afetos estão mais de acordo com a razão. Quais seriam esses afetos? Como pode a razão nos ajudar a adquirir certos graus de liberdade que nos livrariam parcialmente da tirania dos afetos, dos nefastos sequestros emocionais que invariavelmente podemos ser vítimas de tempos em tempos? Na parte 4 de seu livro "Ética à maneira dos geômetras", Spinoza nos convida a investigar “o que a razão nos prescreve e quais afetos estão de acordo com as regras da razão, e quais, em troca, lhe são contrários”:
Como a razão não exige nada que seja contra a natureza, ela exige que cada qual ame a si próprio; que busque o que lhe seja útil; que deseje tudo aquilo que, efetivamente, conduza o homem a uma maior perfeição; e, mais geralmente, que cada qual se esforce por conservar, tanto quanto está em si, seu ser. Tudo isso é tão necessariamente verdadeiro quanto é verdadeiro que o todo é maior que qualquer uma de suas partes (Ética, parte 4, proposição 18, escólio).
Por esses motivos, a razão sempre buscará o aumento da alegria que, para Spinoza, está sempre relacionada a um ganho de potência vital. Ora, essa é basicamente a busca dos processos de Coaching, não é? Nossa virtude é simplesmente a capacidade de se esforçar para alcançar aquilo que nos seja útil. Aquilo que nos ajude em nossa autopreservação:
Quanto mais cada um busca o que lhe é útil, isto é, quanto mais se esforça por conservar seu ser, e é capaz disso, tanto mais dotado de virtude; e, inversamente, à medida que cada um se descuida do que lhe é útil, isto é, à medida que se descuida de conservar seu ser, é impotente (Ética, parte 4, proposição 20).
Spinoza nos convida a pensar as relações humanas, a alteridade, como não poderia deixar de ser, pois a Ética é antes de qualquer coisa, pensar em convivências possíveis e respeitadoras das singularidades de cada um de nós. Para Spinoza, existem algumas precondições para cooperações minimamente sustentáveis e mutuamente favoráveis. Sempre que duas coisas concordam em natureza, elas serão mutuamente benéficas uma à outra, uma vez que a natureza que cada uma se esforça por beneficiar é a mesma. Todavia, os seres humanos só concordam em natureza quando são governados pela razão. Spinoza sustenta que nada é mais benéfico a um ser humano do que outro ser humano ser conduzido pela razão. Quando isso ocorrer, não existem desavenças possíveis, uma vez que a razão almeja a mesma coisa, ou seja, o conhecimento e o entendimento. Além disso, o entendimento é um bem que pode ser partilhado por todos, sem diminuir o desfrute que qualquer um possa ter dele. Logo, indivíduos virtuosos procurarão, por causa de seu próprio auto interesse, os mesmos bens para os outros que eles buscam para si mesmos. De forma oposta, quando não somos conduzidos pela razão e estamos à mercê das paixões, das emoções entristecedoras, somos contrários em natureza e provavelmente estaremos imersos em conflitos. Estar submisso às paixões é negar a própria potência de agir.