Nesta edição vamos discutindo as fronteiras do coaching, que muitas vezes não estão delineadas de forma clara pelas diferentes escolas e esferas de atuação dos profissionais da área. Os dilemas aparecem a cada novo coachee, a cada nova demanda que se apresenta, e algumas de nossas dúvidas independem de nossa formação e atuação profissional prévias. Quando pensamos em fronteiras, pensamos, por exemplo, na fronteira entre o coaching e o aconselhamento, entre o coaching e o mentoring, e para alguns de nós, entre o coaching e as diversas terapias disponíveis.
Há, porém, algo comum à maioria dessas atividades, que pode acometer todos os profissionais, coaches ou não: O que Freud, após 24 anos de prática psicanalítica, em 1919, denominou como “Furor Curandis”. Algo que fala sobre nossa onipotência, sobre nossos desejos, sobre nossa vaidade, e sobre nosso narcisismo. Freud discute os perigos do Furor Curandis em seu texto “Linhas de progresso na terapia psicanalítica”, colocando em xeque alguns conceitos já desenvolvidos e praticados pelos psicanalistas, e os alerta para o perigo de ceder à tentação de colocar a cura de sintomas de seus pacientes como objetivo do tratamento. Na verdade, o texto busca conscientizar o analista de seu papel de investigar e trazer certos fatos à tona durante o tratamento, e não ceder aos dois furores inerentes à prática: o furor investigativo, que nada acrescenta ao paciente se feito à sua forma mais exaustiva e menos conclusiva, e ao furor de cura, que projeta no paciente desejos do próprio analista, e cria soluções que estão aquém do saber do próprio paciente. Por fim, acaba por discutir a eficácia de tal método, e propõe ao analista manter seu posicionamento de neutralidade a qualquer custo.
A este ponto, alguns podem estar se questionando por que escolho o viés da psicanálise para falar em coaching. Em primeiro, minha formação e prática psicanalítica antecederam minha formação em coaching. Em segundo, porque a psicanálise se aproxima em muitos aspectos do coaching, e especialmente da minha linha de trabalho em coaching ontológico. Em ambas as práticas trabalhamos a partir de uma demanda trazida pelo cliente, a partir do seu discurso e especialmente da sua linguagem. Da mesma forma, estes processos envolvem desejos do cliente, e o desejo do profissional de trabalhar aqueles desejos.