Sobre desejos e condutas “maquiavélicos”
Olá, caro/a amigo/a leitor/a. Como pactuado na edição passada, continuaremos a versar sobre Maquiavel e sua relação com o Coaching e com aspectos ligados à prática da liderança e do manejo do poder, sempre atrelado a esta última. No entanto, para que possamos terminar nossa linha de raciocínio, pontuando a “moral da história” ainda necessitaremos de mais uma edição sobre este pensador. Sendo assim, mãos à obra!
Você já parou para pensar que se você é um coach, sua função primordial é estar a serviço dos desejos alheios? Logo, talvez seja prudente entender a maneira como a Filosofia tem problematizado a questão das cobiças, e Maquiavel é um autor que não pode ficar de fora desta reflexão. Maquiavel é um dos primeiros pensadores que divide a sociedade em classes: as que têm poder e as que não têm poder. A primeira é o principado, representado pelo Príncipe.
A classe dos que não têm poder é dividida em duas partes: os nobres, que percebem que podem conquistar poder um dia, por isso o desejam, e o povo, que nunca poderá obtê-lo. A natureza do Príncipe o permite desejar duas coisas: já que o Príncipe tem poder, deseja mantê-lo ou conquistar ainda mais poder. A natureza dos nobres também lhes permite desejar duas coisas: ser Príncipe ou não perder seus nobres privilégios. Já a natureza do povo só lhes concede uma opção: desejar não sofrer em demasia os efeitos deletérios advindos daqueles que têm o poder. Não posso falar por você leitor/a, mas eu não consigo deixar de fazer analogia com uma empresa. São incontáveis as ocasiões em que ouvi falar que o colega X, ao conquistar um cargo de alta gestão “mudou” seu caráter e seu comportamento.
Segundo Maquiavel isso jamais poderia ocorrer, pois a natureza potencial do colega X sempre esteve presente nele, esperando somente o momento adequado para manifestar-se. Muda-se a circunstância, muda-se também a maneira como se observa o mundo e as relações. Muda-se o contexto, mudam-se as perspectivas de análise dos fatos. Quem está por baixo pensa de um jeito, quando passa para o “andar de cima” inicia uma nova maneira de fruir e pensar o mundo, pois o pensamento é fruto da posição social que o indivíduo ocupa. Os processos de Coaching podem, em alguns momentos de seus desdobramentos, auxiliar seus clientes a intuir como o mundo seria visto caso estivessem em outra posição. Friedrich Nietzsche chama isso de perspectivismo e, em alguns casos, isso pode auxiliar na construção da alteridade, ou seja, na validação do outro como outro verdadeiro, e não como um “puxadinho” de nossas verdades, pontos de vistas e valores.