“A renúncia é a libertação.
Não querer é poder”.
Fernando Pessoa
Agenor é o CEO recém-empossado da empresa de sua família. Há anos, uma disputa pela direção da empresa entre os irmãos de Agenor e seus primos e tios levaram a empresa a serias dificuldades. Agenor vê-se diante de um dilema que o perturba há meses, sendo pressionado para tomar uma decisão importante e irreversível que certamente vai gerar prejuízos severos para seus primos e tios, mas é a única esperança de sobrevivência e manutenção da empresa e preservação dos cerca de seis mil postos de trabalho.
Desesperado, resolveu consultar seu velho amigo Kris, que foi seu mentor anos atrás. Kris foi um alto executivo de multinacional, conheceu diversos países liderando projetos de expansão e por ter vivido em várias culturas, aprendeu e absorveu ricos conhecimentos que contribuíram para ampliar sua visão de mundo e qualidade pessoal. Com essa experiência, Kris se tornou um homem muito sábio, sensível e visionário, desfrutando de ótima reputação e respeito do mercado. Kris tem uma capacidade especial de enxergar o que ninguém mais consegue ver e por isso, Agenor foi consultá-lo.
- Amigo Kris. Estou desesperado, minha energia e determinação desapareceram e não sei o que fazer. Sinto medo. Meus tios e primos foram negligentes por anos com a administração da empresa e agora volto como CEO, para colocar ordem na casa. Preciso tomar uma decisão que inevitavelmente trará prejuízos para eles. A pressão está muito grande e já tive vontade de desistir de tudo. Não sei o que devo fazer, por favor, me ensine.
- Agenor, sua conduta não é compatível com a posição que ocupa. Sua fraqueza é irresponsável. Compreendi que, na vida e nos negócios, ganhar ou perder é a mesma coisa e você deve também aprender a agir sem pensar no resultado da ação. Procure o desapego e faça o que precisa ser feito. Não confunda desapego com irresponsabilidade, pois a responsabilidade pelo resultado continua sendo sua. Você tem que agir, mas não deixar o apego pelo resultado te dominar. No coração da ação você deve sentir-se livre de todo apego, de acertar ou errar, de ser vitorioso ou não.
- Kris, como posso fazer o que me pede? Sou um executivo obstinado e determinado, mas sinto minha mente turbulenta e que busca o resultado positivo sempre. É impossível controlar esse meu ímpeto. Quero fazer a coisa certa, sempre.
- Agenor, fazer a coisa certa não tem nada a ver com isso. Você precisa aprender a olhar os eventos sem qualquer julgamento ou apego. Se conseguir enxergar com os mesmos olhos um monte de terra ou uma pilha de ouro, uma pessoa ou um animal, você conseguirá enxergar as coisas além das aparências e perceberá que existe outra inteligência além de sua própria mente e além de você mesmo.
- Kris, me desculpe, mas isso me parece metafísico demais. Respeito e reconheço que esse seu posicionamento e visão de mundo te levaram a um enorme sucesso e isso é um tanto paradoxal para mim. Lembro-me do quanto você era despojado e leve em sua conduta como executivo e mesmo assim alcançava resultados extraordinários. Mas sinto que meus desejos para ter êxito, para que tudo dê certo me arrastam o tempo todo, e não me sinto feliz. Como posso encontrar essa inteligência que tanto fala?
- Agenor, você precisa aprender a olhar pra dentro de si e perceber que tem pouco ou nenhum controle sobre o que acontece no mundo e com você mesmo. Compreender a si mesmo é a única saída. Há uma batalha muito mais intensa aí dentro, que não tem nada a ver com o conflito em sua família. O seu verdadeiro campo de batalha está dentro de você. Domine seu espírito, destrua sua ganância. Quando não mais ansiar pelos resultados, eles virão. Não percebe que a ânsia pelo sucesso mais o afasta dele do que o aproxima? Se concentre em agir com toda a competência que tem à sua disposição, foque na ação e desapegue dos resultados, pois não importa se terá reconhecimento ou não, se vai ganhar ou perder. Resultados são apenas consequências das ações bem feitas e estão no campo da probabilidade. Você perceberá que sua felicidade e paz não dependem de conseguir algo ou chegar a algum lugar, mas de agir. O sentimento de dever cumprido e de servir a um propósito legítimo te conecta com o fluxo da vida. Aprenda a ter uma expectativa apropriada sobre suas ações, foque em fazer tudo com capricho, atenção, compromisso, amor e com uma visão clara de onde quer chegar. Apenas isso.
Em 2010 tive a oportunidade de conhecer e conversar com Dan Millman, autor do livro “O caminho do guerreiro pacífico”, que inspirou o filme “Poder além da Vida”, que conta sua história real de superação. Dan foi um atleta de argolas, extremamente talentoso e com um futuro promissor. Assim como boa parte dos atletas, tinha um objetivo muito claro e quase obsessivo – ganhar o ouro numa olimpíada. Apesar do talento e do amor pelo esporte, Dan possuía um temperamento instável, egocêntrico e arrogante. E quando sofreu um acidente de moto que o afastou dos treinos, entrou numa profunda depressão e crise pessoal. No filme, conhece o personagem Sócrates, um homem simples com uma sabedoria incomum, que inicia um intenso treino mental para ajudá-lo a promover a transformação pessoal que precisa. Sócrates tem meios fora do comum de ensinar e numa de suas lições, Dan tem um insight de que a “felicidade está na jornada, não no destino” e começa a mudar sua história. A cena final retrata o ápice desse aprendizado, quando de volta a uma importante competição, a voz de Sócrates em sua mente lhe faz três perguntas: “- Dan, onde você está? Que horas são? O que você é?” e Dan responde respectivamente: “- Aqui, agora e este momento.” e alcança a maestria. Na oportunidade de nosso encontro, perguntei a ele sobre Sócrates e sua resposta foi: “- O Sócrates no filme representa os inúmeros mestres, conselheiros e coaches que tive em minha jornada, mas também a voz de meu 'sábio interno', que descobri ao desenvolver a habilidade de olhar para dentro de mim e procurar as minhas próprias respostas. É como se Sócrates fosse o Dan no futuro, em seu estado de máxima maestria”. Assim como Agenor e Dan Millman, boa parte das pessoas procuram processos de Coaching para alcançar um objetivo específico, promover mudanças pessoais ou desenvolver competências. O coach ajuda a estabelecer metas, métricas, indicadores e processos que ajudarão o cliente a chegar onde quer. Mas não é apenas ter clareza sobre a meta que garantirá alcançá-la (e não há garantias), mas sim a qualidade da ação, das reais motivações e do senso de significado clarificado que o objetivo lhe traz. Quantos de nós já vivemos situações como a de Agenor ou do próprio Dan? Dúvidas sobre a própria competência, questionamentos sobre o próprio futuro, avalanches de cobranças externas e internas, ansiedade e expectativas nas alturas que frequentemente questiono se esse é um caminho saudável para a realização pessoal. Infelizmente, esse assunto me traz lembranças sobre a Copa do Mundo do Brasil de 2014. Então, já peço desculpas ao leitor se trago lembranças não muito saudosas. O resultado é bem conhecido, mas será que temos clareza sobre o conjunto de ações, escolhas e posturas de cada uma das duas seleções? O que o ocorrido na Copa e as histórias acima têm de aprendizados para nossa vida prática? Como nos portamos e qual o impacto que sofremos ao nos submetermos a uma cultura orientada quase que, exclusivamente para o resultado? Os atletas brasileiros tinham diante de si uma enorme responsabilidade. Impuseram-se a obrigação de ganhar, tanto pela enorme expectativa do público quanto pela pressão interna de conquistar a Copa em seu país. Foram, talvez, excessivamente apaixonados, extremamente disciplinados nos treinos, se exaltaram diante do público também emocionado. Foi lindo de se ver, sem dúvida alguma. Mas sucumbiram à alta expectativa e pressão por ganhar. Por outro lado, os atletas alemães reconhecidos pelo rigor e perfeccionismo, tiveram uma conduta distinta e surpreendente. Instalaram-se num paraíso no litoral da Bahia, desfrutaram da conexão com a natureza e simplesmente adotaram uma conduta de despojamento, simpatia, modernidade e leveza. Talvez tenham entendido a essência da ideia de que a felicidade está na jornada, não no destino. Joachim Low foi um líder que conseguiu gerar coesão, paixão e alto desempenho em sua equipe, adotando métodos nada convencionais. Além do longo e sólido trabalho técnico que fez com a equipe, é sabido que complementou o treinamento de seus atletas com yoga e meditação e talvez isso tenha contribuído para o bom gerenciamento da ansiedade.
É fundamental compreender a relação causal entre ação e resultado. O foco no resultado mantém a conexão com a visão de futuro que desejamos, nos inspira a dar o melhor, mas o resultado só é viabilizado por ações bem feitas. O segredo talvez esteja em não deixar que o foco no destino nos distraia durante a jornada.
Albert Einstein disse:
“Penso noventa e nove vezes e nada descubro; deixo de pensar, mergulho em profundo silêncio – e eis que a verdade se me revela”.
Que o desapego te ajude a ser cada vez melhor.
Artigo publicado em 30/06/2017