Na edição de número 16 iniciamos a coluna Coaching e Filosofia, que tem como objetivo principal apresentar algumas das ideias filosóficas mais importantes chanceladas pelo pensamento humano, pontuando também as possíveis interseções dessas ideias com as práticas do Coaching. A ideia básica desta sequência de textos que está por vir é realizar um sobrevoo pela história do pensamento humano, principalmente no que tange à Ética, ou seja, a melhor maneira de viver. Almejo conceder a você, profissional de Coaching ou leigo no assunto, um cabedal teórico que possa ampliar sua percepção sobre a complexidade que permeia as tomadas de decisão que somos obrigados a realizar durante nossas trajetórias existenciais. As relações com os processos de Coaching são bastante evidentes, uma vez que todo e qualquer processo pressupõe a deliberação sobre a melhor ação, com vistas à obtenção dos melhores resultados na vida. Por isso a Filosofia. Por isso a arte de pensar profundamente. Por isso a radicalidade criteriosa.
Todavia, milhares de anos antes do surgimento da Filosofia, o homem já era possuidor de dilemas existenciais e dúvidas quanto aos rumos que deveria conceder à sua vida. Antes de ter o apoio da Filosofia, o ser humano encontrou amparo na Mitologia, que serviu de base para a tentativa de apaziguar seus conflitos e suas dúvidas mais prementes. Isso mesmo caro leitor/a, houve um tempo em que os poetas nos concederam auxílio para que pudéssemos deliberar a melhor maneira de viver. Hoje, passados milhares de anos desde que poetas gregos como Hesíodo, Homero, Apolodoro, Virgílio e Ovídio nos presentearam com suas obras, os mitos ainda podem nos ser úteis na elaboração de estratégias para melhor viver e conviver.
Os mitos gregos, por mais diferentes que possam parecer ser, guardam todos um tipo muito singular de representação da vida, e esta representação norteou o imaginário dos gregos arcaicos por séculos e séculos, e como veremos em colunas subsequentes, esta representação também ecoou em muitas das ideias filosóficas posteriores. Em seu poema Teogonia, de 650 a.C., Hesíodo narra a origem e a genealogia dos deuses da mitologia grega. No início, relata Hesíodo, só havia um deus, e ele era disforme, lúgubre, desarmônico e desorganizado. Seu nome era Caos. De Caos, surge Gaia, a mãe Terra, e em seguida é gerado um deus chamado Eros que emerge para conceder energia vivificadora a todas as criaturas, quer sejam divinas ou humanas, e que mais tarde ajudarão a compor o universo. Erotizada por Eros, Gaia dá à Luz a Urano, e este imediatamente inicia uma relação amorosa com sua mãe. Desta relação surgirão muitos filhos. Doze deuses denominados Titãs, somados a três ciclopes, gigantes de um olho só, e três criaturas descomunais denominadas hecatonquiros, que tinham cada uma cem braços e cinquenta cabeças. Todavia, a volúpia sexual de Urano era tão ampla que ele não parava um segundo sequer de copular com Gaia, o que a impedia de parir seus filhos. Para resolver esta embaraçosa situação, Cronos, um dos Titãs, forja no interior de Gaia uma enorme foice e castra seu pai Urano, que imediatamente se separa de Gaia indo parar no lugar que hoje denominamos de céu. De fato, Urano é o próprio céu estrelado. Ao se desvincular de Gaia, Urano gera o espaço, e com a noção de espaço surge também o tempo, onde, a partir de agora as criaturas divinas e posteriormente os mortais, poderão escrever suas narrativas biográficas. Neste ponto já podemos intuir uma relação muito íntima entre o tempo e a Ética, pois, todos os dilemas e dúvidas que vivenciamos durante nossas trajetórias existenciais são filhos de Cronos, do tempo, pois, ao nos percebermos como seres que estão imersos na temporalidade, inevitavelmente nos percebemos também como seres finitos. Por sua vez, a finitude nos faz constantemente pensar em nossas vidas. A finitude nos faz duvidar se a vida que vivemos hoje é, de fato, a melhor das vidas a ser vivida.