O tema deste dossiê não nasceu agora. Ele faz parte da minha vida, como uma inquietação, que tem me gerado questionamentos e reflexões, há alguns anos. No entanto, com o passar do tempo, ela tem ganhado mais evidência, pois ela não é mais uma inquietação conectada somente à minha vida e às pessoas da minha geração, mas a conecto às futuras gerações e ao ambiente da minha prática profissional: as organizações.
Comecei este projeto com o julgamento de que, em algum momento da história, nos desconectamos de viver em um contexto de abundância e começamos a viver em um contexto de escassez. Na vida, assim como no ambiente organizacional, isso implicava, e ainda implica, ter o crescimento como uma das estratégias possíveis e mais óbvias. No entanto, esse crescimento implicou (e implica) em sacrifício, em perda de saúde e num ritmo de vida frenético. Estamos adoecendo no ambiente organizacional, assim como na vida.
Como coach e consultora organizacional, nos últimos 15 anos, tenho visto líderes e equipes vivendo no sacrifício pessoal, não priorizando sua saúde física e mental, e o cuidado com outros aspectos de suas vidas. Tenho visto pessoas vivendo a partir da mentalidade de "não ser suficiente", adotando a estratégia de crescer e fazer mais ou mais rápido, como forma de poder viver e sobreviver.
Percebo o que a literatura já vem descrevendo de forma bem evidente: uma ansiedade alarmante nos jovens e no ambiente organizacional. Frases do tipo: “Se não tenho meu milhão de dólares aos 30 anos, sou um ‘loser’.” “Tenho que crescer a qualquer custo.” “Ter cursado uma faculdade não é suficiente, tenho que ter mestrado ou doutorado para ser alguém.” “Hoje é domingo, mas eu tenho que trabalhar.” E por aí vai. Se fossem frases aleatórias, talvez minha inquietação não despertasse com tanta voracidade. Mas são palavras que escuto também dos meus filhos. Aí, como mãe e conectada com o futuro desta e das próximas gerações, não tenho como ficar alheia e fazer de conta que aqui não existe uma conversa maior que precisa ser explorada.
Pois é neste contexto que escolhi este tema “Escassez e Abundância” como projeto de certificação do meu terceiro (e último ano) do Programa Coaching Excellence in Organizations (CEO) do Institute for Generative Leadership (IGL), fundado por Bob Dunham. Programa este que tem como base a Liderança Generativa, metodologia criada por Bob (tema do dossiê da edição 93 desta Revista) e que hoje permeia o meu viver e o meu fazer profissional no mundo. O terceiro ano deste programa nos convida a desenharmos uma oferta para o mundo, a partir da Liderança Generativa. Desta forma, vi aí uma grande oportunidade para investir espaço, tempo e energia para cuidar desta inquietação que me acompanha há anos.