Ano após ano, repetimos o mesmo ritual: contagem regressiva, fogos de artifício, promessas sussurradas ao universo enquanto o relógio marca meia-noite. Parece um momento mágico, o instante em que acreditamos que algo pode mudar. Mas, ao abrir os olhos no primeiro dia do ano, percebemos que tudo ao nosso redor segue o mesmo: os problemas ainda estão lá, os hábitos também, e a vida exige continuidade.
Por que, então, insistimos nessa ilusão de recomeço? Talvez porque, no fundo, o que buscamos não é um novo ano, mas um novo eu. Uma chance de nos realinharmos, de soltar o que nos pesa e abrir espaço para algo novo. Essa necessidade de renovação é tão antiga quanto a própria humanidade. Está presente em nossos rituais, crenças e até na forma como organizamos o tempo. Ainda assim, para muitos de nós, o recomeço parece inalcançável, um projeto que nunca se concretiza.
Essa dificuldade em “zerar” tem uma explicação profunda. Carregamos ciclos que nunca encerramos verdadeiramente – padrões emocionais, memórias familiares, narrativas que se repetem sem que sequer nos demos conta. Esses ciclos invisíveis moldam nossa forma de pensar, agir e sentir, criando barreiras para o novo. E, ao contrário do que muitas vezes acreditamos, virar a página não é suficiente. É preciso compreender o que nos prende ao capítulo anterior.
O que torna o recomeço possível, então? Não é o tempo que reseta, mas nossa disposição de encarar o que está oculto, revisitar velhos padrões e escolher, conscientemente, reescrever nossa história. Talvez seja hora de olhar para esses ciclos não como algo a ser apagado, mas como algo a ser entendido. Pois só assim podemos realmente começar – e não apenas fingir que começamos.
Desde os primórdios, o ser humano encontra nos rituais uma forma de lidar com o tempo, a mudança e o recomeço. Nas culturas ancestrais, esses momentos não eram apenas celebrações, mas processos cuidadosamente estruturados para alinhar o indivíduo com algo maior, com os ciclos que vivia e muitas vezes nem compreendia, com as pessoas, com o fio invisível da vida, enfim, com o cosmos, a natureza e a comunidade. Um recomeço, para essas civilizações, era mais do que um evento simbólico: era uma oportunidade de restaurar a ordem, tanto interna quanto externa.
Na antiga Mesopotâmia, por exemplo, o festival de Akitu celebrava o Ano Novo como uma recriação do mundo. Durante esse ritual, o caos do ano que se encerrava era simbolicamente derrotado, e a ordem divina era restaurada. Era um momento de renovação coletiva, em que se reconhecia a fragilidade humana e a necessidade de recomeçar sob a proteção dos deuses.