“O importante não é estar aqui ou ali, mas ser. É ser uma ciência delicada, feita de pequenas observações do cotidiano, dentro e fora da gente”. (Carlos Drummond de Andrade)
2023 já começou cheio de surpresas. Logo nos primeiros dias do ano, Jacinda Ardern, a então primeira-ministra da Nova Zelândia, renunciou ao cargo mais importante do país. Alegou, aos 42 anos, não ter mais combustível para um novo mandato. “Estaria prestando um péssimo serviço à Nova Zelândia se continuasse no cargo", disse[1]. Há quem tenha dito que ela jogou a toalha para não perder as eleições; há quem tenha encontrado, em mais essa atitude dela, uma fonte de inspiração, por levantar uma reflexão sobre suficiência na hipermodernidade.
Ora, nesse mundo acelerado e líquido, somos doutrinados a querer sempre mais – mais produtos, mais dinheiro, mais compromissos, mais diversão, mais poder, mais sucesso. Vivemos, como diria o filósofo Gilles Lipovetsky, uma cultura de excesso, que teme a remota possibilidade do vazio e desconhece a suficiência. Recordo-me que, durante o período que morei na Austrália, uma colega fez a seguinte análise sobre os jovens locais: “essa geração rejeita cargos de liderança porque não quer incômodo. Prefere viver satisfeita com o que já têm, para não sacrificar a vida pessoal.” Para mim, que tinha um plano audacioso de carreira, aquela conversa gerou estranheza. Cadê a ambição dos australianos? Que futuro essa nação pode ter sem pessoas com o tal do “sonho grande”?
Com o tempo, percebi que testemunhava uma contracultura e há cada vez mais evidências de que não há uma forma única de felicidade ou sucesso. Mais do que isso, o modelo tradicional mostra-se esgotado e esgotante. A “fome” desmedida por mais pode gerar desde "inconsistências contábeis", que colocam em risco milhares de empregos diretos e indiretos, à famigerada sociedade do cansaço do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, para quem “o indivíduo se explora e acredita que isso é realização.”[2]